As mortes de Oscar
104, quase 105 anos levando consigo seus mortos
104, quase 105 anos guardando a morte para depois
104, quase 105 anos cedendo a vez à morte alheia
e Oscar, menino antigo, regendo o mundo com o lápis infinito,
interrompia as curvas do concreto para gravar as baixas
das trincheiras, do Pacífico, do Mar do Norte, Belgrado
os mortos de Oscar, soterrados sob um “x”, chegavam em bandos
do Kosovo, Ruanda, Dafu, Afeganistão, Sérvia, Iraque
da Somália, Etiópia, Sudão, Libéria, Angola
despencavam do Andraus, do Joelma, das Torres Gêmeas
saltavam além das redes antissuicídios
sucumbiam nas Malvinas e nas tribos guaranis
apinhavam os trens de Auschwitz, Buchenwald, Dachau
sumiam sob o gelo da Sibéria e ao sol do Caribe
erravam de Treblinka a Guantánamo, da Bósnia ao Haiti
fartos de gás mostarda, agente laranja, napalm, antrax
(Oscar guarda até hoje todos os gritos do DOPS
os ecos da Candelária, o sangue dos 111, as ordens do PCC
os estampidos insones e o vermelho quente
intenso a correr pelas vielas do Jardim Ângela e além)
com Oscar enterramos todas as suas mortes
e não sabemos o que fazer com as mortes de amanhã
[No final de 2012, logo após a morte do arquiteto e por ocasião do lançamento de meu Caderno inquieto, este poema nasceu e virou plaquete, de 104 exemplares, pelas mãos de Luzia Maninha]