Persigo na memória as palavras com que se debatem em mim o amor e o sonho.
O país em que escrevo não é exatamente o lugar do amor e do sonho. Ou talvez seja, porque o país é imenso e surpreendente. Mas a cidade em que escrevo, as ruas em que busco palavras para transformar nos textos que pretensamente são chamados por aí de poemas, nelas não se vê grande chance para o amor ou qualquer estímulo ao sonho. Creio que é esta a razão para que, em meus poemas, tantos já tenham acusado a marca forte do urbano, da vida urbana, da vida do homem na cidade, mais vivendo do que simplesmente observando os conflitos todos que a cidade significa. Creio que é esta a razão, também, para que o amor apareça de modo tão tímido nos poemas, para que o amor seja, ele mesmo, um sonho sufocado em meio àquilo tudo que o poema – ou quem o escreve – não é capaz de dominar. Poemas são, em alguma importante medida, caixas de ressonância. São ecos e reflexos, sempre falhos e traiçoeiros, dos sons e imagens que alguém imagina ter ouvido e visto. E também que alguém gostaria de ouvir e ver. O impulso do poema para se agarrar ao que admira é sua forma mais intensa e verdadeira de amor. E, por vezes, é também sua forma mais dolorosa de sonho.
A época em que escrevo não é exatamente a era do amor e do sonho. Ou talvez seja: não conheço todas as suas margens e variantes. Mas o instante em que escrevo, que constrange minha vida (ou as palavras com que a persigo) entre os ponteiros do relógio, não cede às tentações do amor, nem se perde nos desvios do sonho. É um tempo seco. Um tempo estranho, em que somos todos estranhos – de nós e dos outros. O amor resiste em meio aos escombros que esse tempo produz. O sonho tenta saltar para além das tramas em que se lançam nossos dias. Normalmente, ambos falham. E falhar é sua glória.
No poema, frágil armadura, lugar do amor e do ódio, instante do sonho e da perda, não há ponto de equilíbrio. Não há harmonia possível. As palavras se chocam, interferem umas nas outras, transtornam o desejo e a aflição, a atração e o abandono. Ao buscar o amor, o poema encontra um refúgio vulnerável. Ao lançar-se no sonho, ergue o véu do desespero. E nele também deságua.
Texto escrito para apresentação no 2014 Seoul International Writers´ Festival, organizado pelo Literature Translation Institute of Korea, a se realizar em set/2014, com o tema “Eros and Dream”. No site do festival (http://siwf.klti.or.kr/) existem versões do texto para o inglês (por Adriano Scandolara) e coreano.
De repente a Coréia do Sul, logo ali (18.000 km), se tornou tão perto pra nós.
Só você mesmo, pra diminuir essa distância com seus textos tão maravilhosos. Parabéns!!!