
[1/5/2018, 6h53] Ainda não sabemos o que causou o incêndio num prédio de 26 andares no centro de São Paulo. Não sabemos quantas e quem são as vítimas do desabamento. Talvez nunca saibamos bem. Famílias em busca de moradia. Muitas famílias, como tantas outras espalhadas pela cidade. São Paulo é uma das cidades mais ricas do mundo, mas em São Paulo algumas das pessoas mais pobres do mundo lutam para sobreviver. Morrem lutando por qualquer coisa parecida com uma casa, alguma comida, o que der pra fazer. Há quem ache isso normal, há quem culpe os miseráveis pela miséria. O governador diz que era uma “tragédia prevista” e já indica que vai usar essa tragédia para combater outras ocupações. É sempre assim. E é inevitável relacionar essas cenas de incêndio e desabamento, atingindo famílias pobres, com a situação vivida pelo país neste momento. Um país em chamas. Um país desabando. Um país em que aqueles que estão nas piores condições são vítimas de tragédias ainda maiores. Em que toda a pobreza, a precariedade e a insegurança cobram sua conta em mortes. Nesse fogo, nesses escombros, há um retrato do país. Um retrato terrível.
[15h39] Era 11 de julho de 2017. Eu estava com Carlos Augusto Lima andando por São Paulo e tirei esta foto de dentro da Galeria do Rock. O prédio estava lá. Como um monumento contra as injustiças da cidade. Um monumento feito com as injustiças da cidade. E agora se foi.

[18h23] Michel Miguel Elias Temer Lulia. Geraldo José Rodrigues Alckmin Filho. Márcio Luiz França Gomes. João Agripino da Costa Doria Jr. Bruno Covas Lopes. Sabemos que, antes deles, outros também têm sua parte de responsabilidade pela tragédia de hoje. Sabemos que, depois deles, outros continuarão indiferentes ao destino da maior e mais pobre parcela da população. Não me importa o nome-fantasia que usam nas eleições, as mentiras que contam, as caras e bocas que fazem. O que me importa agora é registrar esses nomes. Por inteiro. Nomes de homens brancos e ricos que grande parte de nós tem escolhido para – ou tolerado – que sejam nossos representantes. Nomes que nunca vão aparecer na lista de mortos em situação de vulnerabilidade. Ou na lista das pessoas que correram de suas casas de madrugada deixando tudo – roupas, documentos, parentes – para arder no fogo. Nenhum nome deveria aparecer nessas listas. É o que eu acredito. Mas aqueles senhores, na primeira oportunidade que têm, tripudiam das vítimas. Culpam as vítimas. Dizem um sonoro “bem feito, eu te disse”. Em nenhum lugar em que eu leia esses nomes ficarei feliz e concordarei com a presença deles. Muito menos numa urna. Muito menos na lista dos eleitos. Temos sido, desde muito tempo, falsamente representados por gente que, na verdade, representa poucos, bem poucos. Michel Miguel Elias Temer Lulia, Geraldo José Rodrigues Alckmin Filho, Márcio Luiz França Gomes, João Agripino da Costa Doria Jr. e Bruno Covas Lopes, no entanto, me parecem representar ainda menos pessoas – e rir, sem dó, de todas as demais.
[22h23] Sequer esfriaram os escombros, a GloboNews já mostra suas garras: está passando uma matéria sobre outras ocupações e “seus riscos”… A estratégia é simples: colocar a população (ainda mais) contra os movimentos de luta por moradia, agora com o discurso de que as ocupações são precárias e, portanto, irresponsavelmente perigosas. Não podemos acusar ninguém de dar causa ao incêndio e desabamento de hoje, mas temos o dever de acusar esses usos escrotos de uma tragédia para reforçar os ataques da elite ao povo em defesa de seus interesses. A Globo, como de costume, é a voz dessa elite sem escrúpulos.

[2/5, 12h28] SEM TETO
são cerca de 500
quinhentos mil
mil vezes quinhentos
imóveis desocupados
vazios vagos sem ninguém
na grande – grande –
são paulo
toda vez que passar
por alguém que mora
mora, digo, vive
digo, sobrevive, submora
nas ruas, digo, nas calçadas
digo, nas ocupações
sob lona, cama de papelão
lembre-se
são 500 mil imóveis
digo, quinhentas mil
possíveis casas
sem ninguém
na região metropolitana
mais rica do país
toda vez que ouvir
o prefeito dizer
que não foi nada
toda vez que ouvir
o governador dizer
favas contadas
toda vez que ouvir
os jornalistas dizendo
que “imóveis sofrem
invasões”, deixe-se invadir
pela memória de que
há mais casas sem gente
do que gente sem casa
(e gente sem casa
é quase como não ser gente
e casa sem gente
é quase como não ser casa)
mas as portas estão
tristemente trancadas