Dobradura com os Poemas vermelhos em PDF.
É só baixar, imprimir frente e verso, dobrar.
Cá está: Poemas vermelhos
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Cá está: Poemas vermelhos
MEUS AMIGOS
os dias andam pesando muito
evito as ruas que me levam a pensar
num tempo que não quero que chegue
um amigo me conta meio em segredo
que não tem dormido nada bem
e se apavora ao distinguir nas ruas
as pessoas que amanhã estarão armadas
meu amigo não quer mais as ruas
uma amiga diz que tem evitado
roupas vermelhas livros de marx
andar sozinha conversar alto
minha amiga não quer mais ter medo
há calçadas perigosas, eles me dizem
palavras perigosas gestos perigosos
há perigo em cada bar em cada oi
mãos cruéis nos arrancam do silêncio
e depois nos lançam fora
tenho muitos amigos e eles choram
tento convencê-los de que vai ficar
tudo bem tomara que não que nunca
contem comigo conto com vocês
acho que aquele tempo chegou
acho que sou um pouco cada um
dos meus amigos e cada um
de seus medos também é meu
como este olhar que cai na calçada
mais escorregadia em que já pisei
PESQUISA
(1)
em cenário sem Lula
com Lula morto ou preso
apagando-se os governos Lula
removendo Lula da história
calando Lula, banindo-o
zerando o nome de Lula
extirpando Lula de Lula
esquartejando o corpo de Lula
e espalhando pelo país
sua cabeça seus braços
seu tórax suas pernas
em sacos plásticos
sem o nome de Lula
Lula não é o primeiro
(2)
em quem você votará
se não deixarmos você votar
em quem você quer?
BIOGRAFIA
para Marielle Franco [1979-2018]
depois de ser recolhido
e viajar com os mão-branca
o corpo é exposto
numa sala do Instituto
sobre uma placa de alumínio
sob um lençol velho
a família é chamada
reconhecido, o corpo agora
chama-se crânio, tórax e abdome
e os buracos chamam-se cavidades
roupas, documentos e projéteis
são enviados à Criminalística
enquanto o corpo é lavado e pesado
um médico procura no corpo
furos, lesões e também
sinais, tatuagens, cicatrizes
um médico lê o corpo morto
primeiro por fora, depois por dentro
seu nome agora é cadáver
e suas vísceras vão ser expostas
num rasgo que vai do pescoço ao púbis
em forma de Y, T ou um simples I
o legista procura uma história no corpo
um coração esfaqueado, por exemplo,
pode facilitar todo o enredo
de uma orelha a outra
um corte dá acesso ao crânio
e uma serra leva ao cérebro
e a uma infinidade de nervos
encerradas as buscas
quatro ou cinco horas depois
o corpo pode ser costurado
e decorado para o funeral
sua história vai virar um laudo
sua família vai ter uma certidão
não há notícia de laudos
e certidões que registrem sonhos
ESTA CELA
o país é uma cela
com infinitas celas dentro
e dentro de cada um de nós
há milhares de celas
quando a noite é mais triste
nos abraçamos e gritamos
juntos o que queremos
da vida que vem pela frente
por um instante no abraço
ouvimos se afastarem os passos
daqueles que vêm toda madrugada
colocar mais uma grade
entre nós e nossos sonhos
seus pés são frios e fogem
não temos mais porque temer
mal acabamos de saber
da nossa própria prisão
e estamos maiores
e mais livres do que nunca
SINA
eles vêm
e eu respiro
eles engrossam
e eu saio fino
eles ofendem
e eu me nordestino
eles latem
e eu me feminino
eles marcham
e eu bailarino
eles batem
e eu desatino
eles são velhos
e eu me menino
eles se armam
e eu me negro
eles mentem
e eu me índio
eles perseguem
e eu me gringo
eles encrencam
e eu atino
eles cegam
e eu vejo tudo
como um vivo
sol a pino
NÃO
Não debata
com quem
não ouve.
Não ouça
quem não
conversa.
Converse
com quem
não vota.
Não vote
em quem
não debate.
CONTRA ELES
[ode-ódio antifascista]
sim, eles existem
eles são eles
e são sempre os mesmos
eles riram ou dormiram indiferentes
quando souberam da execução da vereadora negra
porque era negra pobre homossexual e de esquerda
os mesmos que nunca entenderam porque nós
não aceitamos a caça aos favelados
não aceitamos a caça aos estudantes
não aceitamos a caça aos militantes
são eles que vão votar no candidato
que homenageia torturadores
discrimina mulheres ataca homossexuais
os mesmos que fazem piadas com direitos humanos
e dizem que agora tudo é “politicamente correto”
eles foram às ruas contra a mulher que era presidenta
e a chamaram de puta burra ladra bruxa vagabunda
os mesmos que não vão às ruas por nada nunca
porque temem as ruas e temem que nós estejamos nas ruas
eles batem panelas e soltam rojões para comemorar
a prisão do ex-presidente nordestino e metalúrgico
eles soltam rojões para comemorar golpes de estado
os mesmos que riram da festa no puteiro
e do cafetão que promete cerveja em troca da morte
eles adoram mandar para nossas caixas postais
suas opiniões violentas sobre todos os temas
mas querem moderação quando nós respondemos
eles nunca ligaram para a vida da maioria
dos venezuelanos dos norte-coreanos dos chineses
mas enchem a boca para falar desses países
quando é necessário atacar os adversários daqui
eles dizem que são contra a corrupção
mas não ligam quando são os seus que (se) corrompem
e jamais deixarão de votar em corruptos
quando for o melhor para eles mesmos
e são os mesmos que jamais irão às ruas xingar
quem não é negro pobre homossexual de esquerda
nordestino analfabeto puta burra ladra bruxa vagabunda
porque eles não xingam qualquer um
aliás, porque eles só xingam “qualquer um”
e qualquer um é apenas quem é negro
pobre homossexual de esquerda nordestino
analfabeto puta burra ladra bruxa vagabunda
na boca deles as palavras com que elogiamos
ou nos solidarizamos viram xingamentos
na mesma boca deles nós nunca é nós
e o eles que dizem nunca vai ao espelho
eles dizem que essa história
de nós contra eles
não leva a lugar algum
mas é mentira
eles não querem ir a lugar algum
com esses que chamamos de nós
nós sabemos quem
O poeta Francisco Alvim, que acaba de completar 80 anos, vem a São Paulo no próximo sábado (20/10) para participar do ciclo Vozes Versos: leituras de poesia. O encontro ocorre a partir das 11h, na Tapera Taperá, que fica na Galeria Metrópole (Av. São Luís, 187, 2º andar, loja 29, tel. 3151.3797).
Chico Alvim nasceu em Araxá (MG), em 1938. Trabalhou como diplomata durante quatro décadas. Estreou na poesia com o livro “Sol dos cegos”, em 1968, e lançou, desde então, os seguintes livros: “Passatempo” (Col. Frenesi, 1974), “Dia sim dia não” (com Eudoro Augusto, 1978), “Festa” (1981), “Lago, montanha” (1981), “Passatempo e outros poemas” (Col. Cantadas Literárias, 1981), “Poesias reunidas (1968-1988)” (Col. Claro Enigma, 1988), “Elefante” (2000), “Poemas (1968-2000)” (Col. Ás de Colete, 2000) e “O metro nenhum” (2011).
No encontro de sábado, será lançada uma plaquete artesanal, feita em linotipo pela Editora Quelônio, com uma antologia de poemas de todos os livros de Chico Alvim, selecionados por Heitor Ferraz Mello. A edição é limitada e, no encontro, será vendida a R$ 20,00.
O que é Vozes Versos?
Poetas contemporâneos lendo seus próprios poemas. Ou suas traduções de poesia. Inéditos ou de livros recém-lançados. Poetas daqui ou passando por aqui. Encontros simples, sem formalidade, em que poetas mostram, com suas vozes singulares, a poesia que estão escrevendo aqui e agora. Não é debate, não é sarau, não é palestra, não é outra coisa. É apenas um encontro: algumas vozes, alguns versos, e os ouvidos atentos de quem se interessa pelo que os poetas têm a dizer. É só chegar. E ouvir. O ciclo já reuniu, até aqui, mais de 40 poetas, todos eles também editados em plaquetes artesanais da Editora Quelônio, formando um amplo panorama da produção contemporânea.
As plaquetes podem ser adquiridas também pelo site www.quelonio.com.br.
A curadoria do ciclo é dos poetas Heitor Ferraz Mello e Tarso de Melo.
Entrada gratuita.
CHICO ALVIM, 80 ANOS, por Heitor Ferraz Mello
Ocasião muito especial, receber aqui o Chico Alvim. O Chico inventou um procedimento poético que é só dele. Ele inventou uma maneira de lidar com uma tradição da poesia lírica brasileira, de recorte social, mas como que na contramão. Como ele mesmo já disse, o que era descoberta e alegria na poesia modernista, a fala brasileira, na poesia do Chico é um esgar. Um veneno. Um procedimento que envolve a fala, a prosódia brasileira, mas também elementos técnicos do verso, o tipo de corte, quase um gesto de fala, destacando a entonação de uma conversa, além da precisão na escolha dos entrechos – lembram aqueles momentos mais agudos machadianos, quando numa frase aparentemente engraçada ou aparentemente comum, toda uma relação de classe salta como um nervo exposto. E parece que dentro dessa técnica o Chico pode falar de qualquer assunto – o que foi ouvido, sentido, experimentado numa situação qualquer, de conforto ou desconforto etc.
Mas vale lembrar que sua poesia não é composta apenas por essas falas – essa epopeia fragmentada da vida brasileira flagrada por dentro da língua – mas também por aqueles poemas mais líricos, mais sentimentais e até mesmo mais clássicos (figuras da mitologia grega passeiam por seus livros, mas não como um mofo do passado, uma erudição livresca, mas que surgem rente a esse mesmo coro de vozes, como uma outra voz – arquetípica – que também está em nós; elas revivem nesses seus poemas, como que se atualizam nesse nosso mundo de pobres mortais). Há poemas que saltam como puro encantamento, como “Elefante”, com toda a sua potência e totalidade. Aqueles estados de alumbramento, tão raros, que redimensionam nossa vida diante de uma realidade marcada por uma cordialidade perversa. Esses momentos podem romper diante da visão deslumbrante de um elefante, ou de uma obra de arte, um quadro visto num museu, num livro ou num site.
Enfim, queria destacar esse elemento altamente inventivo da poesia de Chico, um poeta que desde o malfadado ano de 1968, quando lançou “Sol dos Cegos”, e até agora, vem palmilhando essa estrada pedregosa em que vivemos, nos lançando de volta a nós mesmos, nos ensinando a ouvir a beleza e o veneno da língua brasileira.
(1)
«Estou preso à vida e olho meus companheiros.
Estão taciturnos mas nutrem grandes esperanças.
Entre eles, considero a enorme realidade.
O presente é tão grande, não nos afastemos.
Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas.»
Carlos Drummond de Andrade
(2)
Na política, vista na perspectiva do eleitor do Boçalnaro, tudo o mais é esquerda. Há uma explicação objetiva aí: de fato, tudo está à esquerda da extrema-direita. Mas há um componente subjetivo que é dos mais difíceis de enfrentar: o medo. Um medo incompreensível de que venha da esquerda o fim do mundo (de que mundo!?). Contra Haddad ou Ciro no segundo turno, não vejo grande diferença com relação à mistificação do “radical de esquerda”, do “comunista”, do “petista” (Ciro, aliás, foi governo com o PT e, num eventual segundo turno, será ainda mais “petista” ao ter o apoio do partido). Não leio quase nada do que circula entre os eleitores de Boçalnaro; o pouco que leio, no entanto, me faz perder qualquer esperança de convencimento, de apaziguamento, de composição. São tantas as irracionalidades dessa defesa da “tradição, família & porrada”, que, na comparação, Meirelles soa quase como uma esquerda libertária. Nesse meio em que se difunde a “ameaça” de que “o PT vai tomar as crianças dos pais”, chego a acreditar que, se Amoêdo fosse ao segundo turno, teria que lidar com acusações de bolivarianismo. Enfim, esse me parece ser o maior problema com que teremos que lidar não apenas num segundo turno (com Haddad ou Ciro), mas daqui para a frente. Ganhe quem ganhar, entraremos em 2019 com uma sociedade ainda mais dividida, embrutecida, intolerante. Tudo aquilo que parecia ser piada de mau gosto – do ator pornô virar liderança política conservadora até um STF cada vez menos disposto a dizer o óbvio sobre a Constituição – já está dado na realidade. Temos, já, uma sociedade que rejeita violentamente a informação, a reflexão, a ponderação. Uma sociedade de ouvidos tapados, xingamentos na ponta da língua e punhos em riste. A eleição é importante, meus caros, mas não vai varrer da realidade toda essa violência. As urnas podem potencializar isso (se Boçalnaro ganhar), mas infelizmente são incapazes de reverter esse quadro (se Haddad ou Ciro ganharem). Nosso trabalho é bem mais amplo do que mudar votos: é mudar corações e mentes para bem mais do que um domingo. Por isso, tente convencer seu amiguinho que é Haddad a virar Ciro e vice-versa, mas não é hora de rachar ainda mais o frágil teto da casinha em que vamos ter que nos proteger da chuva forte que vem por aí. E a chuva, vocês sabem, não pergunta de quem é a culpa. Apenas cai. Não nos afastemos muito.