Segue o fluxo da poesia: faça chegar!
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Vocês já sabem: é só baixar, imprimir, ler, compartilhar, distribuir. Tudo nosso.
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Antes que o mês termine, tem mais FLUXOS no ar! Estamos chegando a 1000 acessos aos números anteriores e nossa forma de comemorar é colocar mais edições para circular. É só clicar, baixar, imprimir, dobrar, presentear, divulgar e, claro, LER OS POETAS!
Fluxos três: Fluxos zine 3
Fluxos quatro: Fluxos zine 4
O grande sucesso de bilheteria do número zero do microjornal deixou o corpo editorial maluco… e generoso! Estão no ar os números 1 e 2 de FLUXOS. É só baixar e imprimir e dobrar e distribuir e compartilhar. E ler, ler, ler! Obrigado e até breve!
Número um, clique aqui: Fluxos zine 1
Número dois, clique aqui: Fluxos zine 2
Se ainda não tem o zero, está aqui: Fluxos zine 0
Acaba de nascer FLUXOS, microjornal de poesia editado por Paulo Ferraz, Renan Nuernberger e por mim. Com periodicidade temperamental e tiragem imprevisível, num formato A4 (três colunas, frente-e-verso), FLUXOS trará sempre poemas de todos os tempos e lugares, ideias sobre poesia e notícias de interesse para o poetariado, como lançamentos, eventos, outras publicações e furos de reportagem. FLUXOS circulará em PDF, para ser lido, impresso e compartilhado livremente pelos leitores de todos os cantos. Quem imprimir no papel mais bonito, por favor, manda a foto pra gente.
Baixe aqui o seu número zero de FLUXOS: Fluxos zine 0
Quem conheceu Carlos Felipe Moisés (1942-2017), ainda mais quem esteve por perto dele em seus últimos anos de vida, sabe a energia que ele tinha para inventar e tocar diversos projetos ao mesmo tempo. Edições, reedições, traduções, novos estudos, eventos e ensaios. Estava sempre dividido entre muitas tarefas e, tão logo as concluía, admirávamos no produto o capricho raro de todo o processo e ficávamos sabendo que Carlão já estava rumando para outras tarefas. Quando ele morreu, lembro de ter escrito que, mesmo aos 75 anos, Carlão não parecia alguém se preparando para ir embora, mas sim alguém que saía do banho de manhã e estava prontíssimo para encarar um novo dia de muito trabalho. Mas ele se foi, como todos iremos. Entre tantas tarefas que havia cumprido em seus últimos anos (que, repito, nunca pareceram últimos) estava a preparação de uma edição revista e ampliada do livro Poesia & Utopia, cuja primeira edição foi lançada pela Escrituras em 2007. Para a segunda edição, Carlão ampliou substancialmente o livro, que investiga o papel social da poesia e dos poetas num arco que vai de Platão às redes sociais, e me pediu para escrever um prefácio. Foi uma tarefa difícil, seja pela dificuldade própria das questões levantadas pelo livro, seja pela minha reverência pelo autor daquele livro. Pois bem, Carlão se foi e não tive notícia de que essa segunda edição tenha sido (ou esteja sendo) preparada por alguma editora. Hoje, uma postagem da poeta Adriane Garcia me levou de novo ao pequeno livro do Carlão, ao arquivo da segunda edição e ao prefácio que escrevi. Aproveito, então, para publicar aqui meu texto, como mais uma das homenagens que não me canso de fazer ao amigo, mas também porque o tema me parece urgente (desde Platão, ainda hoje) e, quem sabe, algum editor se anime a colocar as bem elaboradas ideias de Carlos Felipe para circular de novo, com sua força de poesia e de utopia.
POESIA & UTOPIA, Carlos Felipe Moisés
Tarso de Melo
Recebo de Carlos Felipe Moisés a missão – dificílima como toda missão tão honrosa – de dialogar, num prefácio, com as ideias do livro que agora está nas mãos dos leitores. Passo semanas sobre os originais e hesito sobre quais os principais aspectos da reflexão trazida neste livro que deveriam ser colocados em destaque. Hesito muito, mas a resposta estava na sua face mais evidente. Sim: na capa.
Poesia & Utopia: o encontro dessas duas palavras na capa do livro já é, por si só, um evento. E uma provocação. Nessas duas palavras está concentrado, de alguma maneira, tudo o que mais precisamos hoje em dia. Ao pronunciá-las e escrever sob seu manto, Carlos Felipe congrega toda a reflexão sobre poesia e sociedade que o absorveu durante seus mais de 70 anos de vida, a maior parte deles dedicada a estudar, lecionar, escrever, debater, traduzir, enfim, fazer poesia em todos os sentidos.
O que temos em mãos agora é a segunda edição – revista e ampliada – de Poesia & Utopia: dentro do projeto sólido que a obra já apresentava na edição anterior, de 2007, o autor encaixou novas reflexões que apenas confirmam o potencial multiplicador da forma como sua inteligência investe nas grandes questões que, de Platão à era das redes sociais, rondam persistentemente a escrita e a leitura de poesia.
Impressiona saber que este livro, repleto de reflexões tão profundas, densas, assentadas sobre um vasto conhecimento da história, da teoria e das grandes e pequenas obras da poesia de várias épocas e culturas, passa longe de se apresentar como o ponto final – ou estável – de uma “carreira”. Pelo contrário, Carlos Felipe vem aqui justamente usar todo seu conhecimento para impedir que cicatrize qualquer uma dessas grandes questões que enfrenta no livro. E se traz algum conforto ao leitor é o de mostrar-lhe que tais questões, antes de serem uma etapa a ser vencida durante o amadurecimento como leitor e/ou escritor, são próprias da poesia em seu movimento na história – no passado, no presente e no futuro. Manter tais questões vivas talvez seja a razão de ser da poesia e dos poetas em cada contexto em que surgem e atuam.
Lembro-me de Murilo Mendes, autor de um livro chamado Poesia Liberdade (1974), afirmar que entre essas duas palavras não caberia nem mesmo uma vírgula. Entre as palavras do título deste livro de Carlos Felipe talvez fosse conveniente suprimir qualquer sinal intermediário, mas a conjunção pela qual optou o autor nos remete à necessidade de promover esse encontro-enlace entre poesia & utopia, condição tanto para uma quanto para a outra se realizarem em nossas vidas. (A propósito, o símbolo que conhecemos como “e comercial”, em determinadas famílias de fontes, tem mesmo a aparência de uma fita solta e esvoaçante aguardando um laço – ou não.)
Ao repor, por perspectivas variadas, a questão-chave do livro – “Para que serve a poesia?” –, Carlos Felipe provoca o leitor a acompanhar os labirintos de um raciocínio que é antes fiel à poesia que ao intento aparente de descobrir sua função “prática” no mundo em que vivemos – e mesmo noutros mundos possíveis. A pergunta, portanto, serve antes como um instrumento para desvendar ainda mais poesia do que respostas diante da constatação recorrente de que submeter a poesia a uma função – ainda que esta possa enriquecê-la aos olhos de quem não liga para poesia – é antes negá-la do que afirmá-la. É antes afastá-la do que enlaçá-la à necessária utopia.
Aliás, Carlos Felipe não coloca em primeiro plano a questão complementar que seu leitor talvez busque: “Para que serve a utopia?”. E não é sem propósito ou por descuido. Ao associar poesia e utopia na capa do livro, antecipando ao leitor o tipo de abraço que pode encontrar nas páginas deste livro, o autor já está nos ajudando a (não) responder à questão sobre a “utilidade” da poesia. Posso dizer: o que aprendemos nas páginas deste livro é que a poesia, se serve para algo, é para nos alimentar de utopia(s). E é por isso que esta resposta não pode se apresentar como uma “solução” da questão, porque dizer que “a poesia serve à utopia” está longe de ser a pacificação de nossos conflitos. Pelo contrário: é o reinício deles, ainda mais intensos, porque agora não nos contenta mais descobrir a função de um objeto artístico feito de palavras, mas sim investigar que energias nele são capazes de alterar a forma como vivemos.
Nas páginas e páginas de convite à meditação – e à poesia, claro, e à utopia, também – que se seguem estamos diante de nossas mais indisfarçáveis fraturas, porque cada linha aqui nos acusa de alimentar uma vida em que, estranhamente, é necessário perguntar qual é o lugar da poesia e, mais ainda, uma vida em que o presente só se justifica pelo quanto sejamos capazes de fazer para dele se afastar, ou seja, pelo quanto de utopia sejamos capazes de cultivar – contra o que somos.
Carlos Felipe, com a elegância dos grandes, não vem dar broncas ou opor o “alto nível” da poesia a um mundo menor em que nos desencaminhamos. Suas reflexões antes se ocupam de mostrar que dedicar-se à poesia é algo como escavar, no mundo em que estamos, o mundo que queremos: “Quanto mais certeza tivermos de que só nos resta a Utopia, mais a Poesia insistirá em alimentar o espírito que nos move”.
No seu mais recente livro de poemas, Disjecta membra (Lumme, 2014), Carlos Felipe dedica a seção final a uma série de aforismos sob os austeros títulos “O poeta”, “O poema” e “A poesia”, que ecoam muito da sabedoria que é revirada em Poesia & Utopia. Se o aforismo, isoladamente considerado, dá um peso excessivo à “verdade” que enuncia, basta passear pelo conjunto deles para perceber que, lá e cá, Carlos Felipe é antes um “perguntador” que um “respondedor”, antes perturbador que pacificador. Num desses aforismos, a propósito, o autor crava: “A verdadeira vida dispensa a poesia”. E não temos como evitar a pergunta: o que seria a vida verdadeira? E por que chegar a ela dispensaria a poesia? A poesia, então, é uma forma de estarmos ligados não à vida (falsa) em que estamos, mas a uma vida (a verdadeira) que pretendemos?
Admiramos as pessoas que passam a vida fazendo poesia, mas é provável que tenhamos ainda mais o que admirar nas pessoas que passam a vida fazendo perguntas. Ou naquelas que, com sua poesia, nos levam a fazer mais e mais perguntas. Carlos Felipe Moisés, com seus livros e com seu exemplo, é a cada dia mais alguém que leva seus leitores e alunos (não há palavra melhor para dizer como me sinto diante dessa figura que dedicou toda sua vida a ler e escrever poesia, pensando e fazendo pensar a partir dela) muito além do ponto em que se encontravam antes de conhecê-lo. E não é porque os carrega de um canto a outro, mas porque os convida a passear por lugares para os quais não tem mapa, talvez apenas o tíquete raro da poesia.
Se a utopia é o lugar que (ainda) não existe e o mundo que queremos e devemos criar, saímos deste livro absolutamente tomados pela urgência de mergulhar noutras tantas páginas de poesia até que a vida se revele, delas para fora, mais digna. Ou a mergulhar nas fraturas da vida sem receio de se afogar na poesia que pode haver por lá. Encorajar-nos a tanto é o que faz de Poesia & Utopia um livro de livros, ocupando aquele raro lugar na estante em que ficam os que gostaríamos não apenas de ter escrito, mas principalmente de estar à altura da entrega que suas palavras merecem.
São Bernardo do Campo, 11 de julho de 2015.
Duzentas páginas de reflexão sobre poesia, na voz de 50 poetas contemporâneos brasileiros: é o que você vai encontrar, em breve, por trás dessa capa lindamente interrogativa que a Lumme inventou para “Sobre poesia, ainda”. Os poetas são Adelaide Ivánova, Adriano Scandolara, Alberto Pucheu, Ana Estaregui, Ana Rüsche, André Luiz Pinto, Andréa Catrópa, Annita Costa Malufe, Antonio Moura, Bruna Beber, Bruna Mitrano, Carla Diacov, Carlos Augusto Lima, Carlos Ávila, Carlos Felipe Moisés, Casé Lontra Marques, Dalila Teles Veras, Danielle Magalhães, Danilo Bueno, Dirceu Villa, Edimilson De Almeida Pereira, Eduardo Sterzi, Fernando Fiorese, Guilherme Gontijo Flores, Heitor Ferraz Mello, Helio Neri, Júlia De Carvalho Hansen, Júlia Studart, Leila Guenther, Leonardo Gandolfi, Lilian Aquino, Lubi Prates, Lucas Bronzatto, Manoel Ricardo de Lima, Marcos Siscar, Micheliny Verunschk, Nina Rizzi, Pádua Fernandes, Paulo Ferraz, Prisca Agustoni, Reynaldo Damazio, Ricardo Aleixo, Ronald Polito, Ruy Proença, Sérgio Alcides, Sergio Cohn, Simone Brantes, Thiago E, Thiago Ponce de Moraes e Yasmin Nigri. Além das respostas à enquete, o livro tem um posfácio a duas vozes, de Diana Junkes e Fabio Weintraub, e a orelha foi escrita pelo Renan Nuernberger, que você pode ler abaixo:
Sobre poesia, ainda é um título deliberadamente amplo, cujas palavras permanecem pulsando a cada página. A vírgula – e Tarso de Melo, poeta meticuloso, sabe bem disso – demarca um pequeno intervalo entre o substantivo e o advérbio, admitindo ao menos duas possibilidades quanto à noção de tempo aqui presente: se, por um lado, se poderia considerar anacrônica a intenção de ainda se dizer algo sobre poesia neste momento, por outro, a mesma palavra parece assinalar a urgência de uma publicação como esta, que ressalta o quanto ainda há para ser dito (ou repetido em novas formas, novos contextos).
Essa oscilação consciente do título, de certo modo, atravessou até mesmo o processo de produção do livro, entre a enquete despretensiosa e o mapeamento do contemporâneo. A princípio, em 2015, Tarso provocou alguns de seus pares com cinco perguntas enviadas por e-mail, divulgando as respostas recebidas no blog Contra tanto silêncio. O murmúrio dessas primeiras vozes foi ganhando eco e, desde então, Tarso decidiu organizá-las neste volume, incluindo agora outras vinte e duas para compor uma pequena amostra do que pensam aquelas e aqueles que escrevem poesia hoje no Brasil.
Como destacam Diana Junkes e Fabio Weintraub no posfácio, ainda que haja evidentes confluências em alguns momentos, o leitor poderá notar também pontos de divergência nesse mosaico. Isso se dá não apenas pela variedade de formações desses poetas, mas pela própria dificuldade de definição do que é a poesia – signo que, afinal, nos reúne – e de como ela se manifesta. Dando a palavra a essas diferentes vozes, desarmadas de seus objetos criativos (os poemas), Tarso de Melo propõe um gesto democrático, o que inclui também a discordância como elemento constitutivo de um ambiente verdadeiramente plural.
Entre o anacronismo (o excedente do que não se realizou) e a urgência (o impulso do que quer se realizar), esses poetas reunidos em Sobre poesia, ainda elaboram muitas outras respostas possíveis às indagações do presente, sintetizadas nas perguntas de Tarso. Mas, no fundo, diante de tanto horror, a própria reunião dessas vozes (des)encontradas é um sinal positivo que parece dizer: somos diversos e ainda estamos vivos.
Dobradura com os Poemas vermelhos em PDF.
É só baixar, imprimir frente e verso, dobrar.
Cá está: Poemas vermelhos
MEUS AMIGOS
os dias andam pesando muito
evito as ruas que me levam a pensar
num tempo que não quero que chegue
um amigo me conta meio em segredo
que não tem dormido nada bem
e se apavora ao distinguir nas ruas
as pessoas que amanhã estarão armadas
meu amigo não quer mais as ruas
uma amiga diz que tem evitado
roupas vermelhas livros de marx
andar sozinha conversar alto
minha amiga não quer mais ter medo
há calçadas perigosas, eles me dizem
palavras perigosas gestos perigosos
há perigo em cada bar em cada oi
mãos cruéis nos arrancam do silêncio
e depois nos lançam fora
tenho muitos amigos e eles choram
tento convencê-los de que vai ficar
tudo bem tomara que não que nunca
contem comigo conto com vocês
acho que aquele tempo chegou
acho que sou um pouco cada um
dos meus amigos e cada um
de seus medos também é meu
como este olhar que cai na calçada
mais escorregadia em que já pisei
PESQUISA
(1)
em cenário sem Lula
com Lula morto ou preso
apagando-se os governos Lula
removendo Lula da história
calando Lula, banindo-o
zerando o nome de Lula
extirpando Lula de Lula
esquartejando o corpo de Lula
e espalhando pelo país
sua cabeça seus braços
seu tórax suas pernas
em sacos plásticos
sem o nome de Lula
Lula não é o primeiro
(2)
em quem você votará
se não deixarmos você votar
em quem você quer?
BIOGRAFIA
para Marielle Franco [1979-2018]
depois de ser recolhido
e viajar com os mão-branca
o corpo é exposto
numa sala do Instituto
sobre uma placa de alumínio
sob um lençol velho
a família é chamada
reconhecido, o corpo agora
chama-se crânio, tórax e abdome
e os buracos chamam-se cavidades
roupas, documentos e projéteis
são enviados à Criminalística
enquanto o corpo é lavado e pesado
um médico procura no corpo
furos, lesões e também
sinais, tatuagens, cicatrizes
um médico lê o corpo morto
primeiro por fora, depois por dentro
seu nome agora é cadáver
e suas vísceras vão ser expostas
num rasgo que vai do pescoço ao púbis
em forma de Y, T ou um simples I
o legista procura uma história no corpo
um coração esfaqueado, por exemplo,
pode facilitar todo o enredo
de uma orelha a outra
um corte dá acesso ao crânio
e uma serra leva ao cérebro
e a uma infinidade de nervos
encerradas as buscas
quatro ou cinco horas depois
o corpo pode ser costurado
e decorado para o funeral
sua história vai virar um laudo
sua família vai ter uma certidão
não há notícia de laudos
e certidões que registrem sonhos
ESTA CELA
o país é uma cela
com infinitas celas dentro
e dentro de cada um de nós
há milhares de celas
quando a noite é mais triste
nos abraçamos e gritamos
juntos o que queremos
da vida que vem pela frente
por um instante no abraço
ouvimos se afastarem os passos
daqueles que vêm toda madrugada
colocar mais uma grade
entre nós e nossos sonhos
seus pés são frios e fogem
não temos mais porque temer
mal acabamos de saber
da nossa própria prisão
e estamos maiores
e mais livres do que nunca
SINA
eles vêm
e eu respiro
eles engrossam
e eu saio fino
eles ofendem
e eu me nordestino
eles latem
e eu me feminino
eles marcham
e eu bailarino
eles batem
e eu desatino
eles são velhos
e eu me menino
eles se armam
e eu me negro
eles mentem
e eu me índio
eles perseguem
e eu me gringo
eles encrencam
e eu atino
eles cegam
e eu vejo tudo
como um vivo
sol a pino
NÃO
Não debata
com quem
não ouve.
Não ouça
quem não
conversa.
Converse
com quem
não vota.
Não vote
em quem
não debate.
CONTRA ELES
[ode-ódio antifascista]
sim, eles existem
eles são eles
e são sempre os mesmos
eles riram ou dormiram indiferentes
quando souberam da execução da vereadora negra
porque era negra pobre homossexual e de esquerda
os mesmos que nunca entenderam porque nós
não aceitamos a caça aos favelados
não aceitamos a caça aos estudantes
não aceitamos a caça aos militantes
são eles que vão votar no candidato
que homenageia torturadores
discrimina mulheres ataca homossexuais
os mesmos que fazem piadas com direitos humanos
e dizem que agora tudo é “politicamente correto”
eles foram às ruas contra a mulher que era presidenta
e a chamaram de puta burra ladra bruxa vagabunda
os mesmos que não vão às ruas por nada nunca
porque temem as ruas e temem que nós estejamos nas ruas
eles batem panelas e soltam rojões para comemorar
a prisão do ex-presidente nordestino e metalúrgico
eles soltam rojões para comemorar golpes de estado
os mesmos que riram da festa no puteiro
e do cafetão que promete cerveja em troca da morte
eles adoram mandar para nossas caixas postais
suas opiniões violentas sobre todos os temas
mas querem moderação quando nós respondemos
eles nunca ligaram para a vida da maioria
dos venezuelanos dos norte-coreanos dos chineses
mas enchem a boca para falar desses países
quando é necessário atacar os adversários daqui
eles dizem que são contra a corrupção
mas não ligam quando são os seus que (se) corrompem
e jamais deixarão de votar em corruptos
quando for o melhor para eles mesmos
e são os mesmos que jamais irão às ruas xingar
quem não é negro pobre homossexual de esquerda
nordestino analfabeto puta burra ladra bruxa vagabunda
porque eles não xingam qualquer um
aliás, porque eles só xingam “qualquer um”
e qualquer um é apenas quem é negro
pobre homossexual de esquerda nordestino
analfabeto puta burra ladra bruxa vagabunda
na boca deles as palavras com que elogiamos
ou nos solidarizamos viram xingamentos
na mesma boca deles nós nunca é nós
e o eles que dizem nunca vai ao espelho
eles dizem que essa história
de nós contra eles
não leva a lugar algum
mas é mentira
eles não querem ir a lugar algum
com esses que chamamos de nós
nós sabemos quem
O poeta Francisco Alvim, que acaba de completar 80 anos, vem a São Paulo no próximo sábado (20/10) para participar do ciclo Vozes Versos: leituras de poesia. O encontro ocorre a partir das 11h, na Tapera Taperá, que fica na Galeria Metrópole (Av. São Luís, 187, 2º andar, loja 29, tel. 3151.3797).
Chico Alvim nasceu em Araxá (MG), em 1938. Trabalhou como diplomata durante quatro décadas. Estreou na poesia com o livro “Sol dos cegos”, em 1968, e lançou, desde então, os seguintes livros: “Passatempo” (Col. Frenesi, 1974), “Dia sim dia não” (com Eudoro Augusto, 1978), “Festa” (1981), “Lago, montanha” (1981), “Passatempo e outros poemas” (Col. Cantadas Literárias, 1981), “Poesias reunidas (1968-1988)” (Col. Claro Enigma, 1988), “Elefante” (2000), “Poemas (1968-2000)” (Col. Ás de Colete, 2000) e “O metro nenhum” (2011).
No encontro de sábado, será lançada uma plaquete artesanal, feita em linotipo pela Editora Quelônio, com uma antologia de poemas de todos os livros de Chico Alvim, selecionados por Heitor Ferraz Mello. A edição é limitada e, no encontro, será vendida a R$ 20,00.
O que é Vozes Versos?
Poetas contemporâneos lendo seus próprios poemas. Ou suas traduções de poesia. Inéditos ou de livros recém-lançados. Poetas daqui ou passando por aqui. Encontros simples, sem formalidade, em que poetas mostram, com suas vozes singulares, a poesia que estão escrevendo aqui e agora. Não é debate, não é sarau, não é palestra, não é outra coisa. É apenas um encontro: algumas vozes, alguns versos, e os ouvidos atentos de quem se interessa pelo que os poetas têm a dizer. É só chegar. E ouvir. O ciclo já reuniu, até aqui, mais de 40 poetas, todos eles também editados em plaquetes artesanais da Editora Quelônio, formando um amplo panorama da produção contemporânea.
As plaquetes podem ser adquiridas também pelo site www.quelonio.com.br.
A curadoria do ciclo é dos poetas Heitor Ferraz Mello e Tarso de Melo.
Entrada gratuita.
CHICO ALVIM, 80 ANOS, por Heitor Ferraz Mello
Ocasião muito especial, receber aqui o Chico Alvim. O Chico inventou um procedimento poético que é só dele. Ele inventou uma maneira de lidar com uma tradição da poesia lírica brasileira, de recorte social, mas como que na contramão. Como ele mesmo já disse, o que era descoberta e alegria na poesia modernista, a fala brasileira, na poesia do Chico é um esgar. Um veneno. Um procedimento que envolve a fala, a prosódia brasileira, mas também elementos técnicos do verso, o tipo de corte, quase um gesto de fala, destacando a entonação de uma conversa, além da precisão na escolha dos entrechos – lembram aqueles momentos mais agudos machadianos, quando numa frase aparentemente engraçada ou aparentemente comum, toda uma relação de classe salta como um nervo exposto. E parece que dentro dessa técnica o Chico pode falar de qualquer assunto – o que foi ouvido, sentido, experimentado numa situação qualquer, de conforto ou desconforto etc.
Mas vale lembrar que sua poesia não é composta apenas por essas falas – essa epopeia fragmentada da vida brasileira flagrada por dentro da língua – mas também por aqueles poemas mais líricos, mais sentimentais e até mesmo mais clássicos (figuras da mitologia grega passeiam por seus livros, mas não como um mofo do passado, uma erudição livresca, mas que surgem rente a esse mesmo coro de vozes, como uma outra voz – arquetípica – que também está em nós; elas revivem nesses seus poemas, como que se atualizam nesse nosso mundo de pobres mortais). Há poemas que saltam como puro encantamento, como “Elefante”, com toda a sua potência e totalidade. Aqueles estados de alumbramento, tão raros, que redimensionam nossa vida diante de uma realidade marcada por uma cordialidade perversa. Esses momentos podem romper diante da visão deslumbrante de um elefante, ou de uma obra de arte, um quadro visto num museu, num livro ou num site.
Enfim, queria destacar esse elemento altamente inventivo da poesia de Chico, um poeta que desde o malfadado ano de 1968, quando lançou “Sol dos Cegos”, e até agora, vem palmilhando essa estrada pedregosa em que vivemos, nos lançando de volta a nós mesmos, nos ensinando a ouvir a beleza e o veneno da língua brasileira.
(1)
«Estou preso à vida e olho meus companheiros.
Estão taciturnos mas nutrem grandes esperanças.
Entre eles, considero a enorme realidade.
O presente é tão grande, não nos afastemos.
Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas.»
Carlos Drummond de Andrade
(2)
Na política, vista na perspectiva do eleitor do Boçalnaro, tudo o mais é esquerda. Há uma explicação objetiva aí: de fato, tudo está à esquerda da extrema-direita. Mas há um componente subjetivo que é dos mais difíceis de enfrentar: o medo. Um medo incompreensível de que venha da esquerda o fim do mundo (de que mundo!?). Contra Haddad ou Ciro no segundo turno, não vejo grande diferença com relação à mistificação do “radical de esquerda”, do “comunista”, do “petista” (Ciro, aliás, foi governo com o PT e, num eventual segundo turno, será ainda mais “petista” ao ter o apoio do partido). Não leio quase nada do que circula entre os eleitores de Boçalnaro; o pouco que leio, no entanto, me faz perder qualquer esperança de convencimento, de apaziguamento, de composição. São tantas as irracionalidades dessa defesa da “tradição, família & porrada”, que, na comparação, Meirelles soa quase como uma esquerda libertária. Nesse meio em que se difunde a “ameaça” de que “o PT vai tomar as crianças dos pais”, chego a acreditar que, se Amoêdo fosse ao segundo turno, teria que lidar com acusações de bolivarianismo. Enfim, esse me parece ser o maior problema com que teremos que lidar não apenas num segundo turno (com Haddad ou Ciro), mas daqui para a frente. Ganhe quem ganhar, entraremos em 2019 com uma sociedade ainda mais dividida, embrutecida, intolerante. Tudo aquilo que parecia ser piada de mau gosto – do ator pornô virar liderança política conservadora até um STF cada vez menos disposto a dizer o óbvio sobre a Constituição – já está dado na realidade. Temos, já, uma sociedade que rejeita violentamente a informação, a reflexão, a ponderação. Uma sociedade de ouvidos tapados, xingamentos na ponta da língua e punhos em riste. A eleição é importante, meus caros, mas não vai varrer da realidade toda essa violência. As urnas podem potencializar isso (se Boçalnaro ganhar), mas infelizmente são incapazes de reverter esse quadro (se Haddad ou Ciro ganharem). Nosso trabalho é bem mais amplo do que mudar votos: é mudar corações e mentes para bem mais do que um domingo. Por isso, tente convencer seu amiguinho que é Haddad a virar Ciro e vice-versa, mas não é hora de rachar ainda mais o frágil teto da casinha em que vamos ter que nos proteger da chuva forte que vem por aí. E a chuva, vocês sabem, não pergunta de quem é a culpa. Apenas cai. Não nos afastemos muito.
«É meu direito como mulher, como negra, trabalhar!» Muito grave, muito triste o vídeo da advogada Valéria Alves dos Santos sendo algemada e presa durante uma audiência em Duque de Caxias, no Rio de Janeiro. Entre as diversas vezes que ela repete que está trabalhando, que tem direitos e explica o que quer fazer na defesa de sua cliente, diante da juíza leiga, da PM e das pessoas que ali estavam, chamou minha atenção uma frase em especial: “não estou roubando”. Essa frase me levou diretamente às cenas iniciais do documentário “Boca de Lixo” (1992), filmado por Eduardo Coutinho no lixão de Itaoca, em São Gonçalo. Nunca me sai da memória a sequência em que Coutinho vai se aproximando com a câmera e as pessoas que estão recolhendo coisas no lixão fazem de tudo para não serem filmadas: correm, cobrem o rosto, xingam o documentarista. Aos poucos, aparecem alguns que enfrentam a câmera de peito aberto: “que é que você ganha pra botar esse negócio na nossa cara?”. Um menino diz: “todo mundo aqui tá trabalhando, não tem ninguém roubando aqui”. E é aplaudido. Uma senhora, permitindo a filmagem, crava: “teria vergonha se eu tivesse roubando, eu não tô”. Os rostos se sucedem, as vozes se misturam, mas vai ficando mais claro o recado daqueles trabalhadores do lixão: não temos nada para esconder, estamos trabalhando, não estamos roubando. Daí em diante, Coutinho consegue se aproximar daquelas pessoas e conversar sobre a vida dentro e fora do lixão. Quem não assistiu, por favor, assista. Porque não foi por acaso que a frase da advogada Valéria (“estou trabalhando, não estou roubando”) e as dos trabalhadores do lixão se misturaram na minha cabeça. Nas duas situações, aparentemente tão distantes quanto o fórum e o lixão como ambientes de trabalho, dizer que está trabalhando, dizer que não está roubando é uma forma de gritar por uma dignidade que está sendo pisoteada. No lixão, pela forma como a desigualdade social relega uma parcela imensa da população a viver do e no lixo. No fórum, pela forma como o Estado constrange e agride quem reivindica direitos, principalmente quando a advocacia se apresenta no corpo de uma mulher negra. Lá e cá, são fundamentalmente mulheres negras lutando por dignidade, insistindo no trabalho e no respeito à legalidade (“não estou roubando”) como antídoto contra os males dessa sociedade brutal. No entanto, o que aconteceu com a advogada Valéria arrebenta não apenas a sua própria dignidade, a sua dignidade de mulher negra que, contra todas as dificuldades de ser mulher e negra, tornou-se advogada e pode lutar pelos seus direitos e pelos direitos de seus clientes. Quando quem luta por direitos está no chão, tão perto assim de um coturno, somos obrigados a ver que, se não lutarmos cada vez mais e melhor, o que resta da nossa dignidade também vai parar no lixo.
(1) 20 milhões de peças. 200 anos de trabalho. Muitos e muitos anos de história. Tudo virando cinza. Uma tristeza sem fim.
(2) ANTIMUSEU. Não é acaso, imprevisto, acidente. O desastre aqui é projeto. É muito mais que previsto. É desejado. A destruição está nos planos de governo. Múltiplas formas de destruição. Todas as instituições nacionais estão prontas para fritar a qualquer momento. Museus, universidades, bibliotecas, hospitais, prédios históricos, assim como as pessoas todas e seus direitos. Seus direitos são um museu que deve queimar, porque, na mentalidade de quem decide nosso “futuro”, não se pode avançar sem destruir. As autoridades orgulham-se de destruir. Destroem bem, destroem rápido, destroem sempre. Chateiam-se quando não podem destruir. Articulam novas formas de destruição. Acende-se o fogo, apaga-se a história. A história aqui é um entrave. Queima o museu que poderia nos lembrar do que somos, como queima a favela que nos mostra o que somos ou o índio que insiste em estar entre nós. E a manchete diz: “ninguém se feriu”. Não, estamos fatalmente feridos.
(3) «Há um quadro de Klee intitulado “Angelus Novus”. Representa um anjo que parece preparar-se para se afastar de qualquer coisa que olha fixamente. Tem os olhos esbugalhados, a boca escancarada e as asas abertas. O anjo da história deve ter esse aspecto. Voltou o rosto para o passado. A cadeia de fatos que aparece diante dos nossos olhos é para ele uma catástrofe sem fim, que incessantemente acumula ruínas sobre ruínas e lhas lança aos pés. Ele gostaria de parar para acordar os mortos e reconstituir, a partir dos seus fragmentos, aquilo que foi destruído. Mas do paraíso sopra um vendaval que se enrodilha nas suas asas, e que é tão forte que o anjo já não as consegue fechar. Esse vendaval arrasta-o imparavelmente para o futuro, a que ele volta as costas, enquanto o monte de ruínas à sua frente cresce até o céu. Aquilo a que chamamos o progresso é este vendaval.»
Walter Benjamin, “Sobre o conceito de História” (tese IX, trad. João Barrento)
Desde a hora em que soube do incêndio no Museu Nacional, veio à mente esta passagem incontornável de Benjamin. Diante das chamas e ruínas na televisão, somos hoje esse anjo com os olhos esbugalhados e a boca escancarada que gostaria de parar para acordar os mortos, mas não consegue. E vai sendo engolido pelo “futuro”, pelo “progresso”.
(4) «aqui tudo parece
que era ainda construção
e já é ruína»
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Todo dia acontece algo que deixa ainda mais fortes e dolorosos alguns versos da poesia brasileira, como estes de Caetano Veloso, em “Fora da ordem”, de 1991.
(5) O valor destinado à manutenção do Museu Nacional é menos que a metade do que se gasta com limpeza e manutenção da frota de carros do Supremo Tribunal Federal. Menos que a metade. Ainda assim, o Museu Nacional não vinha recebendo aquele valor completamente. E a frota de carros de um tribunal que tem 11 ministros é apenas uma das despesas “curiosas” que são atendidas pelo mesmo cofre federal. Sim, o dinheiro é um só, mas a selva de rubricas em que a burocracia divide esse dinheiro acaba nos despistando e não percebemos as decisões políticas, os propósitos escusos e até mesmo as mesquinharias que fazem nunca faltar (muito) dinheiro aqui, sempre faltar (pouco) dinheiro ali. Hoje, quando tudo que resta é olhar para fotos do incêndio e do rescaldo, o que mais dói é contextualizar essa tragédia e perceber que um valor irrisório no orçamento da União poderia ter evitado mais essa derrota. Como já disse aqui, não é um acidente. É um projeto. O projeto de um país condenado a ser sempre o cenário lindo de histórias trágicas. O país em que a reclamação de alguma autoridade, caso mandem buscar seu cachorro no petshop com uma “viatura” empoeirada, vai ter muito mais peso do que todos os nossos gritos por justiça, democracia, saúde, educação, memória. É o encontro entre os males de hoje e os males do passado, aqueles que arrastamos carinhosamente de geração a geração. Neste tipo de conservação do passado, aliás, somos peritos: o pior da história do Brasil funciona perfeitamente, a céu aberto, para quem quiser visitar. Mas não é hora de ironia. Esse misto de ódio e vergonha ainda vai queimar em nossas cabeças por muito tempo.